(Mausoléu de Kim Il Sung)
8 de Setembro
Dia de explorar a natureza, no “mini-Kumgang”. Não pudemos fazer trekking, porque alegadamente há manobras militares naquela zona. Pareceu-nos mais uma desculpa para os guias não terem que subir montanhas, já que não nos podem perder de vista.
Passeámos e fizemos um piquenique no bonito parque Moranbong. Parecia ser o único sítio até agora a salvo de referências aos líderes. Parecia, mas não era: de entre os muitos bancos de pedra, havia lá um que tinha por cima uma placa de vidro, com umas inscrições gravadas. Pois, era isso. Um dos Kims, um dia, tinha-se lá sentado.
9 de Setembro
Este é o dia nacional da Coreia do Norte, dia de festa, onde teríamos assistido ao festival Arirang, de dança sincronizada em massa, da qual a Coreia do Norte é campeã do mundo, que foi no entanto cancelado por causa das cheias. Teria sido o ponto mais alto da viagem, mas acabámos por ver só uma versão mais modesta do acontecimento. Assim, passámos o dia a visitar os monumentos principais. Começámos o dia a depôr flores aos pés da estátua de Kim Il Sung e mais tarde também no cemitério dos heróis da guerra da Coreia, no qual cada herói teve direito a estátua personalizada por cima da campa. Depusémo-las mais precisamente na campa da mãe de Kim Jong Il. Na Juche Tower (“Juche” é o nome da filosofia sócio-política criada por Kim Il Sung, remotamente baseada no marxismo e no maoismo e no princípio de que o Homem consegue mudar o ambiente que o rodeia) havia umas placas oferecidas por seguidores de todo o mundo, de onde sobressaíam placas dos “Comités de Estudo do Kimilsunguismo” da Amadora, Loures e Estoril. Eles estão mais perto do que eu imaginava.
À noite, conseguimos finalmente ver televisão da Coreia do Norte. Era o Telejornal. Uma só notícia: a visita do Querido Líder a uma fábrica, onde foi fazer "on the spot guidance". Mas não era uma gravação vídeo daquela visita, não senhor: as imagens do jornal televisivo eram "slides".
10 de Setembro
O momento mais alto da viagem foi neste dia. Para adicionar à minha colecção de personalidades embalsamadas (que já contava com Lenine e Mao), juntou-se aqui Kim Il Sung (acho que agora só me falta Ho Chi Minh). Mas, comparados com Kim Il Sung, os outros são brincadeiras de crianças. São todos vistos a correr e o mausoléu de Mao, na sala seguinte àquela onde está exposto o corpo, até tem barracas com venda de brindes com a efígie de Mao (incluindo um relógio, em que o braço dele acena enquanto faz tic-tac).
Aqui, é muito diferente. Respeita-se o morto. O gigantesco Mausoléu, talvez do tamanho do Centro Cultural de Belém, fica ao cimo de uma enorme avenida, no centro da cidade, sem prédios, só com espaços verdes, para onde se entra depois de passarmos por um monumento de respeito. Há também um eléctrico todo aperaltado, só para fazer aquele trajecto. A audiência com o morto foi marcada com antecedência e tínhamos sido avisados que tínhamos que ir bem vestidos, com camisa de botões e preferencialmente com gravata. Esperámos numa sala de espera e, quando chegou a hora, entrámos no edifício, onde passámos à frente de um grupo de coreanos em excursão, umas cem pessoas, que olhavam para nós como se nunca tivessem visto uma pessoa da nossa raça. E provavelmente alguns não tinham mesmo. Passámos depois por um tapete rolante, felpudo, que nos limpava os sapatos, depois por um pano húmido no chão que acabava com as impurezas que restassem. Deixámos de seguida tudo o que tivéssemos nos bolsos à entrada, até os cigarros, ainda passámos por um detector de metais e fomos depois revistados. Seguiu-se uma sucessão de corredores gigantes, como os do Feiticeiro de Oz, com passadeiras rolantes, onde não podíamos andar, ficávamos parados de pé até que as passadeiras nos levassem ao local. Ao fim de uns quinze minutos de passadeiras, entrámos então os quatro (nós os dois e os dois guias) numa enorme sala, onde havia ao fim uma estátua branca impressionante de Kim Il Sung, de uns dez metros de altura, com uma parede iluminada de rosa por trás, onde ele olhava de cima para nós com ar paternalista. Curvámo-nos os quatro perante a estátua. Seguiu-se outra sala e finalmente a entrada para a câmara onde está o corpo. A entrada para a câmara é um corredor de onde sopram fortes jactos de ar purificador, com desinfectante, para cima de nós. O corpo lá estava, ao meio da sala, numa redoma de vidro, coberto por um pano vermelho. Curvámo-nos os quatro perante o morto, quatro vezes, aos pés, à cabeça e de cada um dos lados. Passado este clímax, ainda visitámos uma sala com todas as condecorações recebidas pelo Grande Líder, ainda uma outra com a carruagem de comboio onde ele percorria o país fazendo “on the spot guidance”, uma terceira com o seu último Mercedes (exposto com as rodas em cima de quatro espécies de pedestais em mármore) e finalmente uma quarta onde havia uns baixos-relevos em bronze, gravadas com multidões a chorar em desespero, enquanto uma guia explicava em pranto e aos soluços a um grupo de soldados, o quanto o povo chorou a morte do Grande Líder Presidente Kim Il Sung, que lhes foi enviado do céu (“from the sky”, segundo a tradução que ouvíamos nos nossos auriculares, fornecidos à entrada da sala).