Tintim na Coreia do Norte #1


Resolvi brindar-vos com um diário da minha estadia na Coreia do Norte. São só pequenos apontamentos. Foi já no final das férias que me lembrei de começar a tirar notas, quanto mais não fosse para eu próprio não me esquecer nunca dos preciosos pormenores desta viagem, a mais bizarra que já fiz.

5 de Setembro
A excitação começou logo no aeroporto de Pequim: no check-in, à nossa frente, um grupo de 27 homens, todos vestidos de igual, todos com malas da mesma marca (“Diplomat”), que se diferenciavam umas das outras por um número. Todos com um pin na lapela com a cara de Kim Il Sung. Comecei logo ali a cobiçar aqueles pins.
O avião, da Koryo Air, não se parecia com um Boeing ou Airbus ou nada feito para voar nesta década. Na primeira classe havia bordados à mão nas cadeiras e almofadas bordadas também à mão. Na classe turística, as cadeiras pareciam-se mais com as de um autocarro antigo do que as de um avião. A alcatifa era alta, como era moda nos anos 70. Era um avião muito bonito.
O aeroporto de Pyongyang é um aeroporto calmo: naquela semana, a mais procurada do ano por causa dos festejos no país, quando se concentram os turistas, iriam haver apenas três voos internacionais, dois com a China e um com o Vietname. Os poucos estrangeiros que não sabiam que tinham que deixar os telemóveis em Pequim, têm que os deixar no aeroporto. Livros que mostrem o modo de vida fora da Coreia do Norte também não passam. E é também o único aeroporto que conheço que tem uma máquina de raio x, um detector de metais e revista ao corpo e às malas à chegada!
Chegámos então ao país dos Kims: Kim Il Sung, nunca referido pelos coreanos só como Kim Il Sung (a lenga-lenga é “O Grande Líder Presidente Kim Il Sung” – digo Presidente porque foi recentemente eleito Presidente perpétuo); o filho, um grau abaixo, era sempre, sem excepção, referido como “O Querido Líder Camarada Kim Jong Il". A guia chamava-se Kim, o motorista chamava-se Kim. O outro guia era Che. Todos com os tais pins de Kim Il Sung. Comecei a obcecar com aqueles pins. Reparei depois que todos os coreanos os tinham. Milhões e milhões de pins na rua.
Na estrada do aeroporto para a cidade viam-se muito poucos carros, a maior parte deles militares, muitas bicicletas mas quase toda a gente andava a pé. Começámos a ver sucederem-se os enormes posters e painéis em mosaico dos Kim, e outros revolucionários, que povoam as cidades e também os campos, a colorir a paisagem. Outros cartazes exibiam flores, duas espécies de flores, que viemos a saber chamarem-se Kimilsungilia e Kimjungilia, em homenagem dá para perceber a quem.
A primeira visita foi ao Arco do Triunfo, construído para comemorar a "vitória" na guerra da Coreia, por ocasião do septuagésimo aniversário do líder e por isso decorado com 70 pedras de granito. Não vou entrar em mais detalhes, mas toda a engenharia do monumento foi feita no respeito por números com significado relacionados com o Grande Líder.
À noite, pedimos para passear pela cidade, de carro. Era uma cidade fantasma: depois das 18h, os carros estão proibidos de circular sem uma autorização especial, que o nosso, graças ao Querido Líder, tinha.